Aforismos

Aforismo 13. Minha mãe

Acordei, estava frio. Me levantei às 4h40 da manhã em meio ao frio de 2 graus celsius. Estava muito frio, fazia aquele frio que apenas burgueses com suas almas e camas aquecidas amam. Quando faz esse tipo de frio, sempre sinto uma certa cólera por quem ama o frio. Acho o frio desigual, pouco democrático. Quem sente frio não ama o frio, isso é fato.  

Ao levantar, tropeçando em tudo, fui alimentar meus gatos. Todos comeram. Tentei aquecê-los o máximo possível. Decidi, então, fazer o meu café. Coloquei água na chaleira – ao abrir a torneira, imaginei que a água estaria congelante. Olhei para fora, a escuridão interrompida por algumas luzes das casas vizinhas. Em seguida, comecei a lavar a louça do dia anterior com aquela água congelante que se tornou realidade ao cair em minhas mãos. Espontaneamente me lembrei de minha mãe: 

Quando eu era adolescente, minha mãe acordava todos os dias às 5h00 da manhã para preparar o meu café e do meu irmão. Logo em seguida, ela nos levava à escola. Esse foi um bom tempo, minha mãe não estava deprimida, e ela parecia gostar de ser mãe nesses momentos. Esse tempo durou cerca de três anos. Normalmente, eu me levantava e andava em direção à cozinha, buscando por café. Me deparava com minha mãe em frente à pia lavando a louça do dia anterior com uma água congelante. Eu me aproximava dela para abraçá-la e percebia que suas mãos já estavam quase roxas em virtude da água que corria nos canos nos dias em que amanhecíamos com um pouco mais de 0 graus celsius.  

Eu ficava angustiada porque pensava que ela não precisava fazer aquilo por nós, mas ao mesmo tempo eu lhe dizia “Você é muito corajosa por lavar a louça com água congelante”. Talvez eu tenha herdado esse tipo de coragem da dona de casa que foi minha mãe – uma mãe periférica que nunca conheceu o conforto de uma água quente. Mãe periférica cuja cama e a alma nunca foram aquecidas pelos inúmeros baldes de água fria que tomara no decorrer da vida.  

Talvez seja por isto, por este motivo que eu sinta certa cólera por todos os que amam o frio. Quando vi pela primeira vez as mãos roxas de minha mãe, percebi que amar ou não amar o frio é uma questão de classe. 

Image: Marguerite Duras, Nathalie Granger, 1972

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