Revoltas, Aurore Chéry

A revolução capetiana de Luís XVI, modelo de todas as revoluções?

por Aurore Chéry
(Doutora em História Moderna, LARHRA, Jean Moulin/ Lyon III – França)
Tradução de Cassiana Stephan & Daniel Galantin

A questão que serve de título para minha comunicação se inspira no trabalho que conduzi sobre Luiz XVI e que levou à publicação de uma biografia, em dezembro de 2020 na Flammarion, intitulada O Intrigante [L’Intigant]. Ali, eu apresentei Luiz XVI como um rei que, contrariamente ao que foi explicado até agora, não sofreu a Revolução, mas a demandou, financiou e a acompanhou antes de finalmente ser sua vítima em parte consentida. Se assumimos o conceito dos dois corpos do rei, de Ernst Kantorowicz, Luiz XVI queria se desvincular do corpo soberano do rei, aquele que representava a monarquia, para manter apenas o corpo real (no sentido de natural), o qual se encontrava em contradição com o corpo soberano uma vez que esse corpo real (natural) era aquele de um revolucionário. É este modelo de revolução pelo alto, com o rei desempenhando um papel central e determinante, que eu chamo aqui de “revolução capetiana” por razões que serão explicitadas ao longo de meu texto.

Gostaria então de retornar às razões que levaram Luiz XVI a ser um rei revolucionário, aos fundamentos intelectuais de uma tal escolha, aos modelos que inspiraram essa revolução e, finalmente, à maneira pela qual se articula a relação entre o rei e o povo; este último não sendo esquecido e até ocupando um lugar preponderante na revolução capetiana, mesmo que seu papel tenha sido diferente daquele que usualmente se atribuiu a ele.

  1. Por que Luiz XVI escolheu a Revolução

A questão religiosa

Para compreender porque Luiz XVI fez a escolha da Revolução, é preciso voltar ao percurso do personagem histórico que foi seu principal modelo, a saber, Henrique IV. Muito cedo constatei que essa figura da qual ele se aproximava abertamente havia desempenhado um papel importante para ele, mas ainda era complicado entender o que Henrique IV exatamente representava exatamente para Luís XVI [1]. De fato, hoje se tem uma percepção geralmente consensual de Henrique IV: a de um rei moderadamente protestante, acima de tudo, ávido pela tolerância e que acabou concordando em se tornar católico para subir ao trono da França. Essa imagem é, na verdade, derivada de La Henriade de Voltaire, publicada em 1723. Voltaire, que mais tarde se tornou o historiógrafo de Luís XV, o rei conservador, estava longe de ser um espírito subversivo. Nesse caso, em La Henriade, ele apagou o caráter subversivo do personagem Henrique IV, que havia sido um rei protestante que lutou por muito tempo para permanecer como tal, e acabou forçado a se tornar católico e a tolerar os católicos. Foi esse Henrique IV, o lutador protestante, que inspirou Luís XVI, e foram os problemas que foram colocados a  Henrique IV que ainda era preciso resolver.

O principal problema de Henrique IV era justamente que ele não conseguiu se tornar o primeiro rei protestante da França. Ele teve que se resignar a se abjurar depois de ter liderado a luta por vários anos contra a Santa Liga. Isso não era uma simples questão de crenças, o problema religioso era totalmente político. Ser um rei católico pressupunha submissão ao papa, enquanto um rei protestante era o chefe da Igreja em seu reino.

Não conseguindo ser protestante, então, ele tinha que ser pelo menos um rei absoluto de direito divino. Na verdade, se o rei retinha seu poder diretamente de Deus, se ele não dependia de nenhum intermediário para afirmar sua santidade, ele próprio se tornava um ser sagrado que poderia teoricamente fazer o próprio papa se dobrar. No entanto, o papa ainda tinha uma arma formidável: a excomunhão. Se um rei católico seguisse uma política que desagradava ao papa, ele poderia excomungá-lo. Ao persistir em sua política, o rei se tornou assim um inimigo da fé, um perigo para seus súditos católicos, e estes seriam absolvidos e até mesmo provavelmente abençoados pela Igreja se matassem o rei herético.

Henrique IV, portanto, tinha todo o interesse em manter súditos protestantes em seu reino. Em 1598, ele conseguiu obter o Édito de Nantes que reconhecia o direito de culto, bem como os direitos civis e políticos. Em caso de ameaça de excomunhão por parte do Papa, Henrique IV poderia agitar a ameaça de uma guerra civil e um renascimento das guerras de religião, porque os protestantes ficariam do lado do rei e contra o Papa.

No entanto, o equilíbrio que Henrique IV conseguiu estabelecer, e a relativa independência que o Édito de Nantes garantiu ao rei da França foram questionados por Luís XIV e pela revogação desse édito em 1685. Contrariamente ao que geralmente se pensa, esta decisão não foi de forma alguma favorável ao rei e ao absolutismo, e creio que posteriormente será necessário questionar as verdadeiras motivações de Luís XIV nesta ocasião . Ele agiu por sua própria vontade ou porque foi forçado a fazê-lo?

Vou me contentar em responder por Luís XVI: ele se sentiu compelido a ser católico. Ao contrário da imagem essencialmente construída a posteriori, Luís XVI não foi um rei piedoso. A piedade é, além disso, um contra-senso político. Se um rei é recomendado a instrumentalizar a piedade em benefício de sua política, ele não pode se permitir ser sinceramente piedoso porque as crenças religiosas são um meio de dominação, e o interesse do rei é tentar reinar em completa independência.  Em L’Intrigant explico com mais detalhes que Luís XVI era aparentemente ateu ou deísta, na melhor das hipóteses. As cerimônias religiosas o incomodavam profundamente, e John Adams, entre outros, anotou em seu diário de 7 de junho de 1778 que o rei nessas ocasiões mostrava sinais marcantes de impaciência. A aparente conversão no final de sua vida, claramente expressa em seu testamento, foi de fato uma estratégia política. Ao escrever este testamento no final de dezembro de 1792, Luís XVI pretendia usá-lo durante sua vida como meio de pressão contra seus inimigos. Ele precisava reunir todo o apoio possível para si mesmo e, portanto, não perder o dos católicos, a quem ele não tinha favorecido até então.

Se Luís XVI se sentiu compelido a ser católico, foi em grande parte por causa de seu casamento com Maria Antonieta em 1770. Ele se viu forçado a se casar com uma Habsburgo, dinastia que precisava do catolicismo e do apoio do Papa para continuar a prosperar. Conhecemos o lema da família: “Bella gerant alii, tu felix Austria nube” (Que os outros façam guerra, tu, feliz Áustria, tu te casarás). Um casamento Habsburgo era, portanto, a garantia que a dinastia com a qual o casamento ocorresse permaneceria católica, e era também uma garantia de paz. Isso é exatamente o que arranjou Roma, já que era necessário desarmar os príncipes que tinham inclinações para a independência e queriam romper com a Igreja. E esse é exatamente o caso do duque Ferdinand de Parma, primo do futuro Luís XVI. Ele recebeu uma educação ilustrada do abade Condillac, mas depois se viu preso em um casamento dos Habsburgos em 1769. Mesmo assim, ele tentou resistir por vários meses, mas acabou sendo ameaçado de excomunhão. Tal acontecimento foi seguido por uma intervenção da Espanha, França e Áustria nos assuntos parmesaneses, de modo que o ducado se viu concretamente colocado sob tutela. Com os punhos e os pés amarrados, Ferdinand havia então aceitado o casamento dos Habsburgo e a política que as potências estrangeiras lhe impunham. O futuro Luís XVI observou tudo isso muito bem e, portanto, sabia perfeitamente o que esperar de si mesmo. Se Luís XV quisesse o casamento dos Habsburgo, não teria como evitá-lo e só depois disso tentou resistir, recusando-se por muitos anos a ter um filho de sua esposa.

A aristocracria de Versallhes contra a guerra

O casamento dos Habsburgos, que garantia a paz, convinha muito à aristocracia de Versalhes. Desde 1682, a corte se estabeleceu em Versalhes. Era um palácio que Luís XIV certamente desejava, mas como residência de férias. Foi a corte que definitivamente armou contra ele naquele ano. Além disso, não podemos nos contentar em nos ater à versão que foi popularizada por Norbert Elias em A Sociedade da corte [Société de cour]. Versalhes não é o triunfo do absolutismo e o lugar onde Luís XIV domesticou a nobreza, é antes a decadência do absolutismo e um espaço em que o rei se viu colocado sob vigilância.

Pode-se dizer que em Versalhes o rei estava sob custódia, sujeito a uma etiqueta que ditava todos os momentos de seu dia. Trava-se de uma prisão dourada. Se ele queria seguir uma política hostil à aristocracia, estava ficando difícil fazê-lo sem chamar a atenção. Isso foi fortemente sentido por Luís XVI e é por este motivo que ele tentou reconquistar sua liberdade, esforçando-se para minar a etiqueta e desencorajando a nobreza a ir a Versalhes, onde cada vez menos ele aparecia publicamente. Foi durante este período que Paris se tornou definitivamente uma cidade mais atraente do que Versalhes. Luís XVI sonhava que o rei encontraria o seu lugar no meio do povo parisiense e assim aconteceu em outubro de 1789.

Nos anos que antecederam 1789, o rei teve que lutar contra o forte poder incômodo da aristocracia. Na verdade, era ela quem mantinha o exército, uma vez que a nobreza era considerada a classe que combate. No século XVIII, porém, a nobreza abastada havia se tornado antes de tudo uma classe parasita, que não queria mais lutar e que contava com a caixa de Versalhes para financiar sua ociosidade. O marquês de Mirabeau, pai do famoso revolucionário, lamentou, em seu Amigo dos homens [Ami des hommes], a época da nobreza que lutou ao lado de Henrique IV sem se preocupar em ter camisas furadas. Por esta razão, Rousseau, Guibert, Mably defenderam uma reforma do sistema militar. Era mais desejável que, como em Roma, todos os cidadãos passassem pelo treinamento militar, condição necessária para que o Estado fosse verdadeiramente livre. Definindo-se cada vez mais como uma aristocracia, a nobreza certamente despertou ressentimento, mas eles continuaram a manter o rei. Este último teve grande dificuldade em mudar a situação por meio de reformas, pois democratizar o acesso aos altos escalões era necessariamente fonte de conflitos com a nobreza e mesmo que Luís XVI tenha conseguido reformar as escolas militares, os efeitos não foram imediatos.

Luís XVI, portanto, viu-se em uma situação de fraqueza, mas não se trata de uma fraqueza de caráter. Foi, antes, uma fraqueza resultante do colapso do Estado. Várias vezes ele padeceu com a falta de um exército confiável e, por isso, teve que enfrentar escolhas contrárias à sua vontade.

Em 1778, por exemplo. Por não poder contar com um exército confiável, Luís XVI se viu forçado a engavidar Maria Antonieta, mesmo tendo resistido a isto desde 1770. A morte do Eleitorado da Baviera abriu uma brecha para o exército austríaco. A Baviera era um estado-tampão: menos protegida em sua fronteira oriental, a França se tornou vulnerável porque já compartilhava uma fronteira comum com o Império Austríaco no norte, a dos Países Baixos austríacos. O imperador José II acalentava a ideia de uma invasão para forçar Luís XVI a respeitar o casamento pelo qual estava vinculado e, portanto, engravidar sua irmã. Maria Antonieta teve uma filha em dezembro de 1778.

A mesma situação voltou a acontecer em 1781. Foi porque Luís XVI sabia que, em sua grande maioria, os oficiais franceses não o seguiriam em seu apoio aos republicanos separatistas americanos, que o rei lhes enviou em segredo apoio financeiro via Beaumarchais. Esse apoio foi descoberto, entretanto, e o Exército de Patriotas Americanos se encontrou em dificuldades crescentes. A América havia se tornado um verdadeiro atoleiro para Luís XVI. Em posição de fraqueza, ele teve de concordar em enviar para lá a força expedicionária francesa comandada por Rochambeau. Uma vez lá, o último se opôs constantemente aos planos de Washington durante as várias conferências que tiveram juntos. Acima de tudo, a força expedicionária francesa permaneceu totalmente inativa e sua inação paralisou os patriotas. Foi apenas para a Batalha de Yorktown, concomitante à vitória naval na baía de Chesapeake, que os franceses foram ativados, mas isso não passava de fachada. Conhecida como vitória francesa, a vitória de Yorktown em 19 de outubro de 1781, notícia que se espalhou por Londres e Versalhes antes mesmo que alguém tivesse tempo de fazer a viagem entre a América e a Europa para anunciá-la, era apenas uma encenação. Eta vitória já tinha sido negociada durante o verão em Versalhes, entre o filho de Rochambeau que voltara da América para a ocasião, José II que viera para a ocasião, e Luís XVI. Luís XVI, mergulhado em uma situação inextricável na América, teve que concordar em dar a Maria Antonieta um novo filho (ela ainda não tinha um filho) para que pudesse sair com honra deste beco sem saída, sem abandonar abertamente os patriotas americanos.

Ao tratar de seus próprios negócios, José II também favoreceu os interesses da Inglaterra e a Áustria se aproximou de seu antigo aliado inglês. Quanto à aristocracia francesa, embora tenha escolhido a estratégia de esperar para ver, ela emergiu com um novo prestígio militar que Luís XVI agora teria dificuldade em desafiar, já que a vitória em Yorktown era para atestar que ela brilhava no campo de batalha. Isso explica a razão pela qual, apesar da vitória, a guerra continuou no Oceano Índico até 1783. Luís XVI queria tentar obter uma vitória real contando com alianças que conseguiu forjar. Príncipes indianos. Foi em vão (por motivos que reconheço em L’Intrigant).

No final de 1783, quando a França saía vitoriosa do conflito, o rei estava realmente no chão: derrotado pela aristocracia na América, preso à aliança austríaca, ele teve que aceitar em seu governo o Barão de Breteuil, que ele odiava e que se propôs a missão de “fazer a rainha reinar”. Como o duque Ferdinand de Parma quinze dias antes, a França e Luís XVI estava sob a tutela da Áustria e da Inglaterra. A única saída possível passou a ser, então, a revolução.

  1. Quais inspirações para a Revolução?

As revoluções anteriores

A ideia dessa revolução não surgiu do nada para Luís XVI. Mas antes de falar sobre o que o inspirou, gostaria de dizer algumas palavras sobre o conceito de “revolução atlântica”. Esse conceito se estabeleceu gradativamente no campo historiográfico internacional a partir da década de 1950, mais particularmente por intermédio dos historiadores Jacques Godechot e Robert Palmer. Partindo das revoluções inglesas e continuando com a Revolução Americana, os dois historiadores descrevem uma trajetória em torno do Oceano Atlântico para a revolução. Eles fazem da Revolução Americana um ponto de inflexão fundamental que conduz à Revolução Francesa. Os problemas são múltiplos nesta teoria. Alguns deles já foram levantados anteriormente, notadamente o do lugar a ser dado às revoltas de escravos, mas outros não foram tocados até agora. Em primeiro lugar, dar importância decisiva à Revolução Americana é tomar como modelo uma revolução fracassada que falsamente se fez passar por uma revolução bem-sucedida, ou seja, uma revolução na qual a aristocracia ganhou. Isso nos diz muito sobre quando esse conceito foi forjado, no meio da Guerra Fria. Ao escolher a Revolução Americana como ponto focal, a ênfase foi colocada na aspiração de liberdade: a revolução visava apenas à independência. Desta forma, a questão da igualdade foi descartada. No entanto, foi central para a maioria dos autores do Iluminismo, para Rousseau, é claro, para Mably e Morelly, considerados precursores do socialismo e do comunismo, mas também para outros menos conhecidos do que eles. Montesquieu considerou, por exemplo, que a república exigia virtude, a qual definiu como “amor à pátria e à igualdade”. Hume, que o século XX, como mostrou Daniel Diatkine, anacronicamente transformou em um defensor do liberalismo econômico, afirmava, na verdade, que a sociedade deveria lutar pela igualdade de fortunas[2]. Da mesma forma, a questão da democracia direta  também foi esvaziada. Robert Palmer, ao dedicar um livro à idade da Revolução democrática [The Age of the Democratic Revolution], sugeriu que a Revolução Francesa havia alcançado seu objetivo em termos de democracia, embora, no século 18, não houvesse ilusões quanto ao caráter antidemocrático da democracia representativa. Neste último caso, não são os cidadãos que detêm o poder, mas sim o dinheiro e a corrupção. Foi somente a partir de 1814, com Benjamin Constant (é François Hartog quem lembra dele em Antigos, Modernos, Selvagens [Anciens, Modernes, Sauvages]), que a democracia representativa passou a ser considerada como “a liberdade dos modernos”. Constant indicava, assim, que era necessário romper com o antigo modelo de democracia direta, o único que até então parecia realmente democrático.

Para entender o que aconteceu em relação a Luís XVI, é necessário, portanto, ir além da teoria da Revolução Atlântica e buscar a verdadeira inspiração da Revolução Francesa.

Para Luís XVI, existiu primeiro um projeto revolucionário herdado de seu pai, o delfim, o delfim de Luís XVI. Não poderei me aprofundar neste assunto, pois ele consiste no objeto de minha atual pesquisa, ou seja, será mais aprorpriado discuti-lo futuramente. O que posso dizer por ora é que este projeto revolucionário era inspirado nos Leszczynski, de origem polonesa, e que ele inclinaria as monarquias às repúblicas por meio de golpes de estado operados por príncipes. Portanto, foi um modelo de revolução bastante pacífico, não especificamente sangrento. No entanto, em geral, este projeto fracassou e foi apenas na Dinamarca que se viu o início de seu sucesso com o golpe de Estado do médico do rei Christian VII, Struensee. Foi um golpe de Estado progressivo, que teve o consentimento do rei e da rainha. Struensee, apresentado à corte pelos soberanos e protegido por eles, gradualmente assumiu um lugar crescente, dispensou os ministros indesejáveis ​​do casal real e conseguiu se tornar o homem forte do conselho do rei a partir de 1770. Ele, então, introduziu mais e mais reformas e seu objetivo era provavelmente levar a Dinamarca à República. O rei Frederico V, pai de Christian VII, de fato já havia preparado o terreno, pois havia trazido ao seu reino um grande número de jornalistas suíços cuja função era, entre outras coisas, transmitir a ideia republicana e apresentar Frederico V como um rei compatível à República. No entanto, em 1772, Struensee foi preso antes de construir a República e executado pouco tempo depois. Além disso, aproveitou-se a oportunidade para remover o rei e a rainha do poder.

Em 1772, outro golpe real ocorreu na Suécia com Gustavo III, que havia subido ao trono no ano anterior. Se a ambição parecia menor do que na Dinamarca, o objetivo era o mesmo, ou seja, era de fortalecer o poder real contra a aristocracia sueca. Contrariando a ideia de que as revoluções seriam contra o absolutismo, as revoluções do século XVIII parecem ter sido guiadas pelo desejo de fortalecer tal absolutismo. Entretanto, este não deve ser confundido com despotismo. Absolutismo significava simplesmente que o poder era independente, isto é, livre de interferências, fossem aristocráticas, religiosas ou vindas de potências estrangeiras. O absolutismo foi, de fato, a afirmação de um estado forte e é neste sentido que ele  pode ser percebido como a origem da esquerda. Foi somente com o desenvolvimento do pensamento anarquista durante o século XIX que uma esquerda foi capaz de se definir contra o Estado. Obviamente, havia o risco de que o poder absoluto fosse mal orientado e se tornasse tirânico, mas qualquer outra forma de poder também pode ser desviada.

É, sem dúvida, mais uma vez a Dinamarca que nos permite evitar mal-entendidos quanto à compreensão do absolutismo. O absolutismo foi ali decretado pela Lei Real em 1665. Esta lei pela primeira vez estabeleceu, em uma constituição, o princípio de uma monarquia de direito hereditário divino. A garantia de independência estava lá: o rei detinha seu poder apenas de Deus e seus sucessores eram determinados pelo nascimento. Nenhum intermediário poderia questionar a legitimidade real. Este período de absolutismo dinamarquês, que na verdade não durou muito tempo, permitiu ao rei reformar o exército e reduzir o poder da nobreza, abrindo empregos públicos para plebeus, suprimindo a servidão e introduzindo mais equidade na arrecadação de impostos, já que baseava a taxação na produtividade da terra[3].

O modelo da revolução capetiana

A afirmação do absolutismo na Europa durante a década de 1660, especialmente na França e na Dinamarca, teve, entretanto, significado limitado. Nas décadas seguintes, a aristocracia retomou o controle e os reis do século 18 tiveram que reconhecer esse fracasso antes de encontrar uma nova solução para reafirmar seu poder. Era especialmente necessário que compreendessem melhor que a reafirmação do absolutismo se dirigia ao bem comum e beneficiaria o povo. Quanto mais as pessoas eram educadas e conscientes das questões políticas, mais elas podiam apoiar a política real contra a aristocracia. É neste contexto que podemos situar o movimento iluminista e o que escolhi chamar aqui de “revolução capetiana”. O que quero dizer com isso?

Costumamos falar do debate introduzido por Henri de Boulainvilliers, em 1732, em seu Ensaio sobre a nobreza da Françacontendo uma dissertação sobre sua origem e rebaixamento [Essai sur la noblesse de France, contenans une dissertation sur son origine & abaissement]. Ele explicou que a nobreza francesa veio dos conquistadores francos da Gália e que era por serem descendentes desses conquistadores que eles haviam mantido uma posição dominante até agora. Para ele, a nobreza estava em declínio sobretudo porque, impedido de se envolver no comércio sob o risco de derrogar, era ameaçada pela burguesia mercantil. Ele considerou que a nobreza deveria reconquistar seu lugar de destaque, não por retomar os negócios com as armas, que teoricamente justificava sua existência, mas pelo próprio comércio. Ele defendia uma nobreza comercial que permitiria uma nova mistura das elites mercantes: a nobreza e a burguesia comungariam no mesmo interesse. Ambos defenderiam uma sociedade de classes e desigualdades baseadas na fortuna. É nessa herança que Turgot se colocará a partir de então.

Muitas vezes esquecemos de citar o principal oponente da teoria de Boulainvilliers. Trata-se de abade Dubos, que temos redescoberto pouco a pouco. É com base em Dubos, importante fonte de inspiração de Luís XVI, que decidi optar pela terminologia “revolução capetiana”. Na verdade, em sua História crítica do estabelecimento da monarquia francesa entre gauleses [Histoire critique de l’établissement de la monarchie française dans les Gaules], publicada em 1734, a qual respondeu, portanto, a Boulainvilliers de 1732, não foram as sociedades merovíngia ou carolíngia que ele tomou como exemplo, mas as sociedades capetianas. Enquanto antes, segundo ele, era a aristocracia que detinha o poder, os capetianos haviam restaurado o poder do Estado, em declínio desde a queda do Império Romano, e esse poder estatal repousava sobre a união do rei e do povo contra a aristocracia. Se ordens diferentes existissem na sociedade, deveriam se basear apenas em desigualdades de função e não em desigualdades de fortuna. A nobreza só poderia lutar visando a honra e não o enriquecimento; seus privilégios só poderiam ser uma compensação pela contribuição que ela fez ao Estado, levantando tropas com seu próprio dinheiro.

Consequentemente, através das posições de Boulainvilliers e Dubos na década de 1730, temos de certa forma o prenúncio da oposição entre direita e esquerda, com os Boulainvilliers de um lado defendendo a aristocracia e, portanto, uma sociedade desigual constituída nas classes sociais e, por outro lado, Dubos, partidário do poder do Estado, garantido pela aliança do rei e do povo, e assente numa sociedade de ordens que visava a igualdade. O bom entendimento entre o rei e o povo era manter a nobreza dentro dos limites de seus deveres.

Como eu disse, Dubos colocava o Império Romano como o ideal de Estado forte, e esta era uma ideia muito difundida na época. Ela explica, por um lado, a obsessão em questionar a queda do Império Romano, seja em Montesquieu em suas Considerações sobre as causas da grandeza dos Romanos e sua decadência [Considerations sur les causes de la grandeur des romains et leur décadence] de 1736 ou em Gibbon em sua História da decadência e queda do Império Romano [Histoire de la décadence et de la chute de l’empire romain], publicado entre 1776 e 1788. Por outro lado, esta ideia lança luz sobre o verdadeiro entusiasmo despertado pelas escavações de Herculano e Pompeu, respectivamente iniciadas em 1738 e 1748. Tratava-se de uma forma de expressar a vontade de se reconectar com este império e, fazendo com que suas ruínas ressurgissem, de trazê-lo de volta à vida como a fênix ressuscita das cinzas. Então, era por isto também que a finalidade de Luís XVI era o império. O objetivo era conquistar o império ali onde ele havia falhado e de fazer de seu modelo um modelo universal.

De forma mais anedótica, também é porque Luís XVI se referiu ao modelo capetiano de Dubos que ele foi zombeteiramente apelidado de Luís Capeto. Era uma forma de indicar que, apesar de sua disposição em ocular com cuidado sua vontade, sabia-se bem qual era seu objetivo imperial e que modelo seguia.

  1. Como fazer a revolução ?

O golpe de Estado dissimulado como revolta do povo

Pouco se sabe sobre o papel que Luís XVI desempenhou na Revolução porque, como rei, ele não poderia ser um revolucionário. Ernst Kantorowicz, mencionado por mim na introdução, desenvolveu a teoria dos dois corpos do rei e ela se aplicava perfeitamente a Luís XVI que era, como homem, um revolucionário preso no corpo de um rei. Ao ocultar o seu papel, protegeu-se das represálias vindas do tribunal, mas também seguiu o conselho de Maquiavel que, no Discurso da Década de Tito Lívio [Discours sur la décade de Tite-Live], especificou: “Para ser eficaz, deve ocultar as suas intenções.” Portanto, deve-se sempre procurar vestígios da ação do rei em documentos que não são ser facilmente acessíveis ao público.

A melhor maneira de esconder suas intenções é fazer com que outras pessoas ajam por você. Christian VII, na Dinamarca, confiou no médico Struensee para realizar seu golpe. Luís XVI, por sua vez, enquadra-se perfeitamente na tradição capetiana, pois foi o povo que agiu em seu lugar. Esta é uma estratégia interessante porque se tornou, então, muito mais difícil pôr fim ao golpe revolucionário. Não foi possível, como na Dinamarca, identificar claramente o responsável, detê-lo e julgá-lo. A ideia não era nova, entretanto. Na verdade, pode estar relacionado a um episódio da história otomana. No século XVII, os janízaros, ou seja, a infantaria de elite do Império Otomano, foram gradualmente se tornando, como a nobreza da França, uma espécie de aristocracia que não queria mais lutar. Em 1622, eles se revoltaram contra o jovem sultão Osman II porque ele queria iniciar uma reforma do exército. Para justificar o depoimento de Osman e sua execução, os janízaros cuidaram de se cobrir com o consentimento do povo, expondo o sultão, vestido em farrapos e montado em uma égua velha, às humilhações da multidão.[4]  A partir de então, os janízaros não pareciam mais agir em prol de seus interesses pessoais, mas para servir ao povo. Este caso é um dos mais discutidos na história otomana, mas também despertou imediatamente grande interesse na Europa. Vários textos foram publicados sobre o assunto, alguns buscando mais particularmente restaurar a responsabilidade original dos janízaros. O poeta de Liége Denis Coppée apresentou, assim, em 1623 a tragédia intitulada O execrável assassinato perpetrado pelos janízaros contra a pessoa do sultão Osman, imperador de Constantinopla [L’exécrable assassinat perpétré par les janissaires en la personne du sultan Osman empereur de Constantinople].

Quanto a Montesquieu, em As Cartas Persas [Lettres persanes], ele zomba da covardia dos janízaros e de sua forma de instrumentalizar o povo. Ele escreve: “Quando Osman, Imperador dos Turcos, foi deposto, nenhum dos que realizaram este ataque sonhava em cometê-lo: eles apenas pediram, implorando que fosse feita justiça a eles sobre alguma queixa: uma voz, jamais conhecida, saiu da multidão por acaso; o nome de Mustapha foi pronunciado, e de repente Mustapha era o imperador.”

Portanto, Luís XVI obviamente assumiu o modelo otomano, mas para voltá-lo contra a aristocracia. É em nome do povo e por ele que o golpe do Estado real acontecerá.

Qual é o lugar do povo na Revolução?

Hoje estamos acostumados a pensar o papel do povo na Revolução segundo o modelo micheletiano. Em sua História da Revolução Francesa [Histoire de la Révolution française], de 1847, Jules Michelet escreveu: “Aqui só o povo tem a iniciativa; sozinho ele vai levar o rei, como ele sozinho tomou a Bastilha.”

Acabamos de ver que não, não foi assim. O povo não estava sozinho e a Revolução resultou antes de uma convergência de interesses entre o povo e o rei. Concretamente, se tomarmos o exemplo da tomada da Bastilha, considerar que o povo age sozinho não explica o sucesso de tal feito.

Por um lado, é complicado sensibilizar em massa a população e incentivá-la a agir. E é muito natural que isso aconteça, quando não se sabe se a ação será eficaz, quando antes se faz necessário enfrentar a urgência vital do dia a dia e quando o risco de se ferir ou de perder a vida existe. Assim, Georges Lefebvre explicou que a mobilização da multidão na Revolução resultou de “agregados semi-voluntários”. [5] As acomodações eram pequenas, passávamos muito tempo na rua no século 18 e se os líderes lançavam um slogan amplamente mobilizador, aos poucos conseguiam reunir uma multidão mais compacta ao seu redor. O slogan mais mobilizador que poderia haver era o do aumento do preço do pão ou o da falta de pão. Nesse primeiro estágio, além das pessoas, você precisa de líderes que lancem slogans que representam uma ameaça de fome. Sobre estes dois pontos, o rei poderia ter uma ação: recrutando os líderes e bloqueando os depósitos de grãos, o que aumentaria mecanicamente o preço do pão (Luís XVI já havia usado o estratagema durante a guerra da farinha em 1775 e foi basicamente a retomada de uma estratégia clássica de cerco em que era preciso matar a população de fome para obrigar  que ela se renda).

Uma vez que a multidão está mobilizada, para que o assalto à Bastilha seja um sucesso, ela deve ser impedida de ser prejudicada em sua ação. Mais uma vez, o rei poderia agir. Em 12 de julho de 1789, Besenval, que era o comandante militar da Ile-de-France, retirou suas tropas de Paris e foi posteriormente acobertado por Luís XVI. Como resultado, os manifestantes puderam se munir de armas em Invalides e depois tomar a Bastilha porque não havia exército para impedi-los.

Finalmente, o sucesso final foi garantido porque os líderes tiveram cúmplices no interior da fortaleza. O governador De Launay era inimigo de Luís XVI e não pretendia ceder ao motim, mas não estava em posição de força porque alguns de seus subordinados eram, eles próprios, aliados de Luís XVI e podiam recusar-se a cumprir as ordens do governador de confraternizar com os desordeiros.

Por consequência, como pensar a Revolução?

Ela é, inicialmente, uma operação que se realiza nas sombras, seguindo a máxima de Maquiavel que repito aqui: “Para ser eficaz, é preciso esconder as intenções.” Esta revolução sombra consiste, antes de mais nada, em entrismo: é necessário colocar indivíduos favoráveis ​​à revolução em posições-chave do Estado. Onde não for possível colocá-los, faz-se preciso derrubar os contra-revolucionários que ocupam essas posições-chave e a escolha que foi feita, durante a Revolução Francesa, foi a de derrubá-los recorrendo a movimentos de multidões, o que exigia o recrutamento de líderes.

A Revolução visível, por sua vez, ou seja, o motim e a revolta, nada mais é do que um espetáculo simbólico. A multidão é a estrela de um espetáculo cuja mise-em-scène é do rei em razão de interesses convergentes. Portanto, podemos certamente falar de manipulação do povo e da opinião pública; o que ainda é o caso, hoje, por meio da comunicação política. No entanto, essa manipulação não é uma instrumentalização da multidão, como em 1622 no Império Otomano, porque os interesses convergem. Tratar-se-ia antes de uma necessária manipulação da multidão por parte do rei na intenção de operar uma libertação comum.

Em razão disso tudo, o papel do povo é negado? Não. Diria mesmo que ele é reavaliado porque o povo não se reduz a uma multidão de desordeiros. Até agora, o modelo micheletiano nos levou a pensar que só a revolução visível era a verdadeira revolução, quando na realidade corresponde, apenas, à parte simbólica da revolução. A verdadeira revolução está mais próxima do que aconteceu com a resistência durante a Segunda Guerra Mundial: ela consiste em estabelecer redes que permitem minar as posições do inimigo e derrubá-lo. As redes do Antigo Regime, nas quais Luís XVI se apoiava, eram em grande parte compostas por protestantes, porque estes eram uma população mais consciente do que a média: uma população que sofria diariamente a opressão em um reino que não reconhecia sua existência legal.

Assim, a partir disso, podemos ver que o povo foi extremamente ativo na revolução das sombras e que demorou muito para que a Revolução tivesse uma guinada simbólica através do motim. As revoltas são, de fato, o culminar de um processo revolucionário, são o final acompanhado de fogos de artifício.

O sucesso da explicação micheletiana, que perdura até hoje, é facilmente compreendido na medida em que essa explicação serve de isca. Uma sociedade conservadora tem todo o interesse em valorizar a teoria de micheletiana, segundo a qual a revolução é reduzida a um motim e o povo fará tudo e qualquer tipo de coisa na revolução. Esta teoria é, na realidade, a garantia do fracasso das revoluções. Se conservarmos apenas a fachada da revolução, sua encenação na forma de um motim, sem considerarmos as alavancas do Estado que permitem a verdadeira mudança revolucionária, nós continuaremos a falhar. Os sucessivos fracassos são sempre mais desanimadores e a revolução mais uma vez parece ser um horizonte inacessível e utópico pelo qual já não temos forças para lutar. Uma revolução bem-sucedida não pode acontecer apenas de baixo, ela precisa ser apoiada ao mesmo tempo de cima, e por isso é fundamental reabilitar o modelo da revolução capetiana contra o modelo micheletiano. Colocar o povo no centro de tudo é certamente lisonjeiro, mas é sobretudo a melhor forma de os prejudicar sem que eles de deem conta disso apercebam e é aí que se situa a verdadeira instrumentalização do povo.

Conclusão 

Sei que o que estou propondo inverte completamente o panorama e que isto pode parecer perturbador, mas não devemos esquecer que foram regimes conservadores que sucederam à Revolução Francesa e que esses regimes não tiveram interesse em valorizar a ideia revolucionária. Por outro lado, a guerra fria teve uma influência decisiva na nossa representação da Revolução e ainda não deixamos de lado os conceitos que ela fez prevalecer, tais como o da revolução atlântica.

No entanto, acredito que as convulsões pelas quais nosso mundo passa tornam o momento favorável para a abertura de novas perspectivas. Embora durante anos, desde Ocupy Wall Street à Primavera Árabe, passando por Nuit debout ao Gilets jaunes, nenhum movimento popular tenha conseguido derrubar a velha ordem, foi um vírus que introduziu a ideia de um “mundo depois”. Isso merece reflexão. Obviamente, o poder que foi atribuído ao povo não correspondia ao poder que ele realmente tinha e nenhuma nova tomada da Bastilha ocorreu, mesmo que a maioria destes movimentos abertamente reclamem a Revolução Francesa e reivindiquem outras tomadas de novas Bastilhas.

Há, acredito sinceramente, muito para se aprender sobre as revoluções a partir da reintrodução de Luís XVI na história. Ele é, de certa forma, a chave do mundo moderno porque foi ele quem mostrou que a revolução que transforma o mundo não era da ordem da utopia ou da loucura, ele mostrou que esta revolução era possível e que esta é a direção que o mundo deve seguir. Isto deixou muitos vestígios na história e se não os vemos mais é porque nos habituamos a não os ver mais. Agora, tudo o que precisamos é abrir nossos olhos.

 

[1]Para um estudo, que já foi publicado há algum tempo, sobre a maneira pela qual  Luís XVI afirmava ser Henrique IV, cf. Aurore Chéry, « Louis XVI ou le nouvel Henri IV », Bulletin du Centre de recherche du château de Versailles [En ligne], Artigos e estudos, disponível desde 16 de setembro de 2010. URL : http://journals.openedition.org/crcv/10466

[2]Diatkine Daniel. Hume et le libéralisme économique. In: Cahiers d’économie politique, n°16-17, 1989. Le libéralisme économique. Interprétations et analyses, sous la direction de Arnaud Berthoud et Roger Frydman. pp. 3-19.

[3]Ver Henrik Horstbøll, Uffe Østergård. Reform and revolution: The French revolution and the case ofDenmark. Scandinavian Journal of History, Taylor & Francis (Routledge), 1991, 15, pp.155-179.

[4]Voir la thèse de Irena Ajdinović, (2014). Five Osmans: The Ottoman crisis of 1622 in early seventeenth-century literature, Université d’Amsterdam.

[5]Georges Lefebvre, « Foules révolutionnaires », Annales historiques de la Révolution française, 1934, p. 1-26.

*Prise de la Bastille et arrestation du gouverneur M. de Launay, le 14 juillet 1789 (Anônimo)

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