Aforismos

Aforismo 4. Um breve diálogo sobre o amor

Um dia me perguntaram: – O que é, para você, o amor?

E eu respondi: – Às vezes, às vezes preciso criar, mas tenho uma sensação de que esse sentimento é muito parecido com a paixão ou com a alegria, com o entusiasmo próprio da alegria. Há, de fato, uma vontade de novidade que é quase impossível de ser realizada, uma vontade de vida que se mistura com a vontade de morte. Penso: “como expressar isso? Uma paixão?” Apaixono-me por tantas pessoas, por tantas ideias, por políticas, por modos de vida, por autores, por estilo, por diferença: sempre pela diferença. Por isso, eu vou falar, por isso eu preciso falar do amor. O amor é artístico. O amor é extemporâneo: uma dança, uma música, um êxtase psicotrópico, uma saída, uma margem, uma margem de dentro, uma resistência, uma estratégia.

E no dia seguinte continuaram a me perguntar: – E, às vezes, para você, o amor é solidão?

Após um suspiro profundo, um longo e profundo suspiro reflexivo respondi: – Acho que não, o amor é confraternização. Confraternização melancólica ou bipolaridade criativa. Da raiva do que vige, da tristeza do que vigora à alegria que quer criar o novo, o que nunca foi, o que rompe fugidiamente com aquilo que sou, com aqueles que me rodeiam. A duração furtiva do amor demanda a transformação dos seus envolvidos. O amor nunca vai ser encontrado no contrato. Para alguns, isso pode ser uma tristeza no sentido de uma desilusão. Mas, a vantagem é que o amor com toda a sua estética impura jamais será um fascismo. Má sorte daquele que se filia por contrato.

O silêncio se instaurou entre nós e alguns dias se passaram até que alguém me perguntou: – Mas, para você, o contrato social é uma filiação desgastada?

Eu disse: – Não é uma questão de conceito, mas de escolha de vida, de opção filosófica ou artística em relação a qual não se pode dizer como ou por onde começar. O amor é desobediente desde que seja uma vontade por alteridade que não exige sacrifício, mas somente mudança. Não há amor em Deus, não há amor Puro, não há amor Verdadeiro. Há amor instantâneo, pecador, prazeroso, autárquico.

– Isso quer dizer que não há regra?

– Não. Isso quer dizer que não há lei, que o amor não pode ser submetido a uma lei.

Dias se passaram, meses, anos e, de repente, alguém me perguntou: – Por que as pessoas não veem beleza nas outras?

E eu disse: – Não sei. Acho que somos todos narcisos. Talvez o maior narcisismo de todos seja aquele da crucificação. Inventou-se a cruz, inventou-se o espelho, inventou-se o gosto puro e decente. Essa invenção desesperada que salva o humanismo vetou a prática da criação.  

*Magritte, Les amants I, 1928

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