Amores, Comunicações, Everton Leite

You’re just too good to be true

Everton Leite

You’re just too good to be true

You’re just too good to be true | Can’t take my eyes off you” (CREWE; GAUDIO, 1967). Em 2017, escutei essa música incansavelmente no ônibus enquanto me dirigia ao trabalho. A música foi um presente da Camila BoNeaux, uma das minhas melhores amigas e colega na especialização em Poéticas Visuais na Escola de Música e de Belas Artes do Paraná. A amizade foi amor à primeira vista, não lembro como começamos a conversar, mas não deu dois meses e ficávamos os vinte minutos do intervalo falando sobre as nossas paixões.

Para o fim das aulas, ela estava divorciada e eu solteiro. Como formatura da especialização elaboramos a exposição Caldeamento (2017) no Museu Guido Viaro, em Curitiba – Paraná, uma exposição coletiva que trazia as pesquisas dos alunos durante o período de aulas. Eu e a Camila, na vontade de materializar a nossa amizade em um trabalho artístico, iniciamos uma troca de referências e depois de cartas.

03 de outubro de 2017

Querido Beto, Por aqui tudo bem.

Que bom que você me escreveu, estou vivendo num frenesi de paixão alheia que já dura 37 anos. Mais do que a minha idade. Tenho vivido a paixão do “amor” que me fez. É uma paixão difícil, que chegou num beco sem saída. Assim como você, também estou em busca dessa resposta. Ao viver um amor encruado, me curei com uma boa dose de amor próprio. Ele renasceu em mim, assim como a minha cor favorita, que está presente numa expressão da língua inglesa que diz: “out the blue”, que quer dizer “do nada”. (BONEAUX, 2017)

As cartas tinham como nó o poema “Dia dez” (2016) da portuguesa Matilde Campilho. O poema lançado em forma de vídeo no Youtube é uma declaração de amor, uma carta de felicitações pelos trinta anos na terra para a pessoa amada evocada pela poetisa. Da música de Valli eu pulava direto para o poema. Sempre quis que me escrevessem cartas de amor. Lembro de minha primeira carta de amor: foi no dia dos namorados, 12 de junho de 2002, em um exercício da escola onde a professora pediu que fosse declarado o amor através de uma carta para alguém querido. Eu aproveitei a oportunidade e escrevi uma carta anônima para meu melhor amigo da escola, o Alisson, dizendo que o amava. Eu juro que eu já o amava. Será que a gente nasce sabendo o que é amor e vai esquecendo com o passar do tempo?

Do poema de Campilho, tiramos um trecho “perdoa por este excesso de paixão”, que resumia o momento que estávamos passando em nossa vida amorosa e que deu nome ao trabalho. Eu penso até hoje em pedir perdão pelos excessos de paixão. Talvez o amor seja como escreveu Carlos Drummond de Andrade em “O amor bate na aorta”:

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.(ANDRADE, 2013, p.17)

Para a exposição, montamos “Perdoa por este excesso de paixão” em uma mesa, colocando as cartas na ordem que enviamos um para o outro, junto aos textos colocamos as fotos que iam de anexo e um Qr Code para a playlist que montamos de presente um para o outro. A ideia das músicas foi reviver tempos em que os casais trocavam mixtapes declarando seu amor usando CD ou fita K7. Para o trabalho, montamos as playlists no Spotify, já que era de mais fácil acesso na exposição. Além disso, listamos cada música, seu intérprete e o motivo por elas serem deslocadas do mundo da música e estarem presente em nosso trabalho.

Camila BoNeaux e Everton Leite. Perdoa por este excesso de paixão. Impressão sobre papel. 14,8 x 21 cm (cada). 2017. Foto: Ana Karina Tamoto

Revendo o trabalho hoje, não me sinto à vontade para mostrá-lo. Eu acho que ele falava de um tempo muito específico e que tenho guardado com muito carinho. Mas, para os curiosos, nas cartas que escrevi para Camila, falei sobre minha casa que desde lá vem sendo um símbolo de amor, escutei sobre estar preso em um vaso e como prefiro o sentido das xícaras, pois elas têm asas. Mas o que mais se destacou, revendo hoje as cartas, foi meu pensamento sobre amor próprio e como aquele sentimento não cabia em mim. Precisou de dois anos depois da exposição, muito flerte, sexo gostoso e um rompimento para entender que o amor próprio é quando a gente precisa ainda existir dentro de um relacionamento. Gérard Lebrun (2009, p.13) em seu texto “O conceito de paixão” afirma que: “A paixão é sempre provocada pela presença ou imagem de algo que me leva a reagir, geralmente de improviso. Ela é então o sinal de que eu vivo na dependência permanente do Outro”. Mas para mim, quando o si encontra o outro, talvez o si precise prevalecer, já que o outro sempre carrega o ar de alguém de fora, de um colonizador.

A partir de “Perdoa por este excesso de paixão” retomei o poema e produzi uma série de cartazes a partir de outro trecho: “Quem briga com bicho perde | E isso não é nada esperto”, que incorporei como título da série. O trabalho é composto por imagens de pássaros brigando com outros pássaros ou com outros animais em um fundo colorido. As frases do poema são intercaladas na composição do cartaz e “e isso não é nada esperto” vem como um balão de fala dos animais.

Everton Leite. Quem briga com bicho perde e isso não é nada esperto. Impressão sobre papel. 29,7×42 cm. 2017. Foto: Everton Leite

Sempre amei os pássaros, minha avó chamava a gente de passarinho, mas com o tempo fui percebendo que todas aquelas imagens carinhosas, calmas e com tons de liberdade pintadas sobre os pequenos animais poderiam ser trocadas por fúria. Só precisou eu ser caçado por um bem-te-vi no gramado de uma amiga para ver essa potência no animal. Mas as pessoas associam os pássaros ao amor, talvez por Cupido e suas asas, talvez pelo amor estar no ar. Mas sei que como os pássaros, o amor pode vir como fúria sobre a gente e causar dor, marcar o corpo e causar delírio.

Leonilson. Jogos Perigosos. Acrílica sobre tela. 50x60cm. 1990

O artista visual Leonilson, em suas falas gravadas nos anos 90 e divulgadas no documentário “A paixão de JL” (2015), com roteiro e direção por Carlos Nader, traz os sonhos, memórias e delírios ficcionais sobre suas relações afetivas somados às dores e sintomas da AIDS que tomavam o corpo do jovem artista, que anos depois faleceu de complicações causadas pela doença. Em uma das suas falas, comentando o cenário político do Brasil, na época com Fernando Collor como presidente, me encontrei. Vivíamos um cenário político caótico com o golpe de 2016, quando Michel Temer assumiu o poder, e não me sentia com vontade de falar sobre política, já que a maioria dos artistas se voltaram para este tema. Queria ignorar o momento e queria falar de coisas amorosas, românticas, sabe?

“São seis horas da tarde, do dia 12, e eu acho que a maioria das pessoas estão completamente loucas com a situação do país, sabe? Eu acho um máximo, de repente no meio desse heavy metal todo que é o mundo da gente, todo mundo lutando pela sobrevivência, maior loucura total. Daí tem um cara que dedica o tempo dele para fazer uma obra de arte, assim uma coisa delicada, uma coisa amorosa, romântica, sabe? Um coração e coloca isso a público, e entrega assim o coração dele nas mãos das pessoas, nos olhos das pessoas. Aqui é tão louco o Brasil, a minha cabeça vai de um lado para o outro, e eu não quero ficar louco não, quero ficar bem calminho. A única coisa que eu quero é trabalhar direito e encontrar alguém para dormir comigo.” (LEONILSON, 2015)

— play: Ain’t No Mountain High Enough by Marvin Gaye & Tammi Terrell

If you need me, call me
No matter where you are
No matter how far (don’t worry, baby)
Just call my name
I’ll be there in a hurry
You don’t have to worry
(ASHFORD; SIMPSON,1967)

Minha educação musical veio inteiramente dos filmes hollywoodianos. Lembro de caçar intensamente na internet o filme “Stepmon” (1998) só para encontrar a música de Marvin Gaye com Tammi Terrell. Cresci num lar evangélico e na minha casa não podíamos ouvir músicas do “mundo”, como a minha mãe se referia a músicas não cristãs. Foi também nos filmes que aprendi um pouco sobre amor. Sonhava, ainda pequeno, viver um amor de filme.

Nas tardes, depois das minhas aulas, eu e minha mãe assistíamos todos os filmes de romance possíveis que passavam na tv. Lembro de ser fascinado pela Sandra Bullock e a Julia Roberts e todas as aventuras amorosas incríveis que elas viviam. No filme “Notting Hill” (1999) me apaixonei por Will, o personagem de Hugh Grant, e cheguei a sonhar com ele. Já adolescente, descobri que também tinham filmes dedicados ao público gay, e achei que ali me encontraria mais; mas as histórias contadas não tinham nada do romance hollywoodiano, não tinham o famoso final feliz, o amor à primeira vista, a fuga do casamento, o beijo apaixonado, os problemas da vida burguesa e puritana que separavam o casal, os maus entendidos, as fofocas, traições, etc. Somos representados sempre ao compasso de uma história violenta, de traição e de mentiras. Os beijos são em becos escuros ou no meio do nada, longe de olhos homofóbicos. As relações eram sempre proibidas e sempre havia uma esposa a ser traída. Diferente disso, os personagens serviam como alívio cômico ou para fazer a makeover na protagonista.

Nesta busca por representatividade, me voltei para casa, para as memórias de família e narrativas que eu ouvia. Ecléa Bosi afirma que “do vínculo com o passado se extrai a força para formação de identidade” (BOSI, 2003. p. 16). Nas fotos dos diversos álbuns de família eu procurava por uma representação de algum relacionamento homossexual na minha história familiar. Minha avó materna sempre foi colecionadora de muitas coisas, principalmente de fotos. No meio delas encontrei o retrato de um casamento com três pessoas. A partir disso, comecei a fabular um possível casamento gay na minha família e decidi eternizar no trabalho “Insuficiências”.

Everton Leite. detalhe: Insuficiências. Impressão sobre papel fotográfico e monóculos de acrílico.  4×1,7×4,5 cm (cada monóculo). 2017

Falar de amor na minha casa sempre foi falar de Jesus. Cresci ouvindo “Jesus é amor” ou “Ame como Jesus”. Minha avó sempre falava que amor é sacrifício. Para o trabalho, me apropriei desses discursos bíblicos sobre o amor e inseri junto às fotos, que receberam diversos apagamentos, formando diferentes tipos de casais nas fotos. Tinha como intenção provocar o espectador da obra sobre suas próprias memórias sobre o amor. O uso do monóculo vem pelo recato do amor em minha casa. Nunca vi meus avós, pais, tios se beijarem, ou serem carinhosos na frente de outras pessoas. Para você acessar o texto e a imagem, precisa ficar só e, no movimento de olhar o trabalho, você se encontra com a memória de vários amores. Mas será que o amor só merece o íntimo ou pode alcançar a esfera do público?

A vontade de representação sempre foi grande, sempre me senti deslocado na minha família, era difícil encontrar meus pares. Me assumir homossexual para mim mesmo. Depois, para minha família, foi um processo longo e difícil que causou mais uma distância minha com meus familiares. A Bíblia, que por muito tempo foi um símbolo de fé, um livro a ser levado em consideração, se tornou um manual de como eu deveria agir, levar a minha vida e com que eu deveria me relacionar. Na vontade de inserir meus iguais nesse livro e subverter um pouco a narrativa, resolvi reescrever o livro de Cantares de Salomão, que é conhecido como o livro mais romântico da Bíblia, onde o rei Salomão escreve versos de amor para sua concubina. Ecléa Bosi, sobre esse processo de ressignificar as memórias, afirma que “só os artistas podem remontar a trajetória e recompor o contorno borrado das imagens, devolvendo-nos a sua nitidez” (BOSI, 2003 p. 53).

II
Ah, se ele me beijasse,
se a sua boca me cobrisse de beijos…
Sim, as suas carícias são mais agradáveis
que o vinho.

III
A fragrância dos seus perfumes é suave;
o seu nome é como perfume derramado.
Não é à toa que os jovens o amam!
(LEITE, 2020)

Na reescritura substituí todos os pronomes femininos por masculinos, tornando o livro de Salomão uma ode a outro homem. Para diagramação e impressão, em um primeiro momento pensei em imprimir o texto em papel bíblia e imitar a estética desse livro, a capa de couro, letras serifadas, nenhuma imagem. Mas como se trata de uma reescritura, mudei para papel colorido e adicionei pinturas digitais feitas a partir de vídeos pornográficos sobre fetiche com símbolos religiosos, como padres, coroinhas, etc., todos encontrados na internet. As imagens foram pensadas a partir do que muitos adolescentes gays veem nesses vídeos como formas de se auto descobrir (representação) e de descobrir o outro. A pornografia também dita formas de comportamentos sexuais, como transar, chupar, penetrar, foder e gozar. Também reflete padrões de beleza que vêm sendo diluídos pela sociedade capitalista. A Bíblia e a pornografia tem seu encontro na proposição de seres perfeitos que podem tudo se seguirem as regras e as formas de ser.

Hudinilson Jr. Performance Narcisse – Exercício de Me Ver II. 1982

O artista Hudinilson Jr., em seus cadernos, colagens e xerografias explorava a representação de corpos masculinos distribuídos em revistas comerciais e pornográficas. Ele se auto-denominava um ser erótico e pornográfico e fazia do seu apartamento um arquivo vivo de suas memórias, seus desejos e desventuras eróticas. Como afirma Ricardo Resende:

“Era uma necessidade diária inventariar, uma maneira de narrar e de se superar o receio do esquecimento, do apagamento da memória, de ser excluído da história da arte e, claro, era uma maneira narcisística de se ver e fazer parte da mesma história. Organizar o arquivo no qual transformou seu apartamento era maneira de garantir sua permanência na história.” (RESENDE, 2016,p.42)

Seu medo de ser esquecido era tão grande que na série “Exercício de me ver” o artista xeroca seu próprio corpo enquanto performa em cima de uma impressora. As impressões no final eram recortadas e organizadas em grandes painéis. E nesta mesma vontade de não ser esquecido ou apagado de uma história hegêmonica, branca e heterossexual é que veio a ideia de desenvolver a publicação “Conhecer Biblicamente”.

Everton Leite. Detalhe: Conhecer Biblicamente. Impressão sobre papel. 29,7x42cm (aberto) e 14,5×21 (fechado). 2020.

O trabalho ainda está em desenvolvimento e faz parte da minha pesquisa  de mestrado sobre publicações artísticas junto ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pelotas, com orientação da professora Helene Sacco. Partindo de uma dobradura, transformo uma folha tamanho A3 em um pequeno livro que se abre para o capítulo I de Cantares de Salomão, reescrito e depois transposto para um cartaz com uma pintura digital que imita a página de um site de pornografia. Ainda junto à imagem são inseridos trechos do texto de Salomão por todo cartaz e referências a outros versículos sobre amor. Para apresentação do impresso na exposição virtual “Penumbra” (2020), com curadoria de Marina Ramos e organizado pela artista Larissa Barddal Fantini, escrevi um texto e produzi um booktrailer da publicação, que contou com a produção dos artistas Lais Ayumi e Dante Lopes. No vídeo, mãos usando luvas vão penetrando, tateando, esfregando o papel até ele se abrir, tudo ao som de “Spider Pussy”, de Don Argott que fez um álbum musical inspirado em filmes adultos, o “Porno Sonic”.

Com o vídeo, o trabalho ganha mais uma camada sensual. As mãos que vão tocando a publicação, da pele ao papel, criam orifícios, cheiros e se misturam com os corpos pintados.

– play: Oração by Linn da Quebrada

A quem costumeiramente ama
A mente ama também
(QUEBRADA, 2019)

Qual era seu maior sonho quando criança? O meu era que meus pais se divorciassem. Como no conto “Lar Desfeito” de Luiz Fernando Veríssimo, queria ter o poder de fazer meus pais se separarem, não por puro capricho como a filha do casal, mas porque meus pais precisavam de espaço. A confusão nunca chegou à violência física, mas deixou traumas por vários cômodos da casa. Lembro que meu pai me disse uma vez que só não ia embora por causa da gente, seus filhos, e na hora pensei em responder que, por mim, ele podia ir. Foram anos dos dois brigando por absolutamente tudo, mas, ao mesmo tempo, naquelas brigas eles encontravam um certo tipo de paz e conversavam, trocavam figurinhas e contas, até hoje é assim.

Nunca se separaram por medo, mas minha mãe diz que é pela religião. Evangélicos não podem se divorciar, pois não herdarão o reino do céu. Mas alguém esqueceu de contar isso para minha tia que já casou com cinco pastores diferentes, em nome da fé, é claro. Quando completaram 25 anos de casados, meus pais não comemoraram. Eu lembro de dar um presente para cada um, mas nenhuma celebração. Já tinha ido na Bodas de Prata de diversos casais, mas meus pais resolveram economizar, com jantar requentado e dormir mais cedo, para variar. Tempos depois, procurando alguns brinquedos de infância, enrolado em alguns lençóis, encontrei o álbum de casamento dos meus pais. Quando fui mostrar para minha mãe, ela brigou e pediu para eu guardar. Ali percebi que tinha o início de um trabalho.

Everton Leite.Detalhe: Bodas de Prata. Impressão e materiais diversos sobre alumínio, 800x250cm (dimensão total), 20x20cm (cada placa de metal – total 25).2019-2020. Foto: Fabiana Caldart

A partir dessa ação da minha mãe, comecei a escrever sobre momentos do casamento dos dois que eu presenciei. Realizei uma entrevista com minha mãe, que contou os preparativos do casamento e do dia da união.

Everton: E você estava feliz?
Ruth: Eu estava… muito!
Everton: E o seu marido?
Ruth: Também
Everton: Você estava nervosa para casar?
Ruth: Eu não… Meu pai que estava.
Everton: Seu pai? Por que ele estava nervoso?
Ruth: Não, é que ele pensou que eu deixaria ele.
Everton: E ele chorou?
Ruth: Chorou.
(LEITE, 2019)

Na conversa, descobri que ela não escolheu nada no casamento, apenas o vestido. Que a festa foi toda bancada por ela, com a rescisão que ganhou do trabalho. Que nem os convidados ela escolheu, foram meus avós e tios. E a lua de mel? Não teve, porque meu pai tinha que trabalhar no dia seguinte ao casamento. Ouvindo as histórias e olhando as fotografias, elas não conversavam, parecia um universo paralelo. Desta forma, iniciei um processo de interferir nas fotos, criando glitchs com tinta sobre as fotos e outras interferências.

Na época, 2019, eu participava do Projeto Permanente de desenvolvimento e experimentação em Artes Visuais, no Paço da Liberdade – Sesc PR, em Curitiba, com orientação do artista William Machado. Em uma das suas falas sobre meus estudos nas fotografias, ele falou sobre o título do trabalho, que eu ainda não tinha decidido, e para pensá-lo em relação às imagens. Também deveria pensar por que eu estava fazendo aquele trabalho para minha mãe, já que ela não queria celebrar aquele evento do passado. Desta forma, tomei o trabalho para mim, pensei nas relações amorosas que tive e comecei a interferir nas fotos pensando nesses relacionamentos.

A escolha pela placa de alumínio foi pelo título do trabalho “Bodas de Prata”. Eu gostaria muito de eternizar essas imagens em prata, mas como o dinheiro era pouco, fiz em alumínio. As placas também têm uma relação com o que é tomado como oficial. Por exemplo, quando alguma coisa está sendo comemorada, inaugurada, relembrada, ela é eternizada numa placa. Queria, com as fotos, eternizar um evento, não o casamento dos meus pais, mas meus vinte e cinco anos de idade e todas as transformações que passei. As interferências foram pensadas nesse mesmo sentido, as cores, o glitch, a ordem das fotos na parede, tudo tem uma relação com a minha história de vida e com a vontade de contar uma história.

Everton Leite.Detalhe: Bodas de Prata. Impressão e materiais diversos sobre alumínio, 800x250cm (dimensão total), 20x20cm (cada placa de metal – total 25).2019-2020. Foto: Fabiana Caldart

O trabalho começou na vontade de encontrar o Outro, mas acredito que encontrei mais de mim mesmo. Com esse trabalho, eu encerrei meu relacionamento de dois anos e voltei a cuidar apenas de mim e parar de ser aquela bola amorfa, sem cor e nem cheiro.

Você acabou de dar um match!

Alexandro, 25
Curitiba
3 quilômetros de distância

NÃO vou te seguir no Instagram!

Aquariano, ascendente em Escorpião e Lua em Gêmeos.
Pai da Cacau (emoji de gato), médico, 1,90m, gordinho, peludo (emoji de urso) e power bottom/gouine.
Não ligo para o tamanho do seu pau e nem para o seu corpo.
Importante lembrar que estamos no Tinder e não no Grindr.
Maturidade, reciprocidade e responsabilidade afetiva-emocional são essenciais.
Posso demorar um pouco para responder.

Referências

A PAIXÃO DE JL; Carlos Nader. Produção: Flávio Botelho, Kátia Nascimento. São Paulo, SP: Instituto Itaú Cultural. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RND9w8QW5d0&ab_channel=BernardMachado>. Acesso em 20 setembro 2021.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Brejo das almas. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2013.

ASHFORD, Nickolas. SIMPSON, Valerie. Ain’t No Mountain High Enough. In: GAYE, Marvin. TERREL, Tammi. United. Detroid: Hitsville USA. 1967. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/marvin-gaye/15934/traducao.html>. Acesso em 20 setembro 2021.

BONEAUX, Camila. LEITE, Everton. Perdoa por este excesso de paixão. 2017. Disponível em: <https://evertonleite.art/perdoa-por-excesso-de-paixao>. Acesso em 20 setembro 2021.

BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios da psicologia social. São Paulo, SP: Ateliê Editorial, 2003.

CAMPILHO, Matilde. Dia Dez. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TJ1QMvAlzr0&ab_channel=FelipeDi%C3%B3genes>. Acesso em 20 setembro 2021.

CREWE, Bob. Gaudio, Bob. Can’t Take My Eyes Off You. In: VALLI, Frankie. Can’t Take My Eyes Off You. Nova York, EUA: A&R Studio 2,1967. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/frank-valli/69728/traducao.html>. Acesso em 20 setembro 2021.

LEBRUN, Gérard. O Conceito de paixão. In: NOVAES, Adauto. Os Sentidos da paixão. São Paulo, SP: Companhia das Letras. 2009. p.12-32

LEITE, Everton. Bodas de Prata. 2021. Disponível em: <https://evertonleite.art/bodas-de-prata> Acesso em 20 setembro 2021.

____________. Conhecer Biblicamente. Curitiba, PR: Biblioteca de Casa. 2020

NOTTING HILL; Roger Michell. Produção: Duncan Kenworthy. Califórnia, EUA: Universal Pictures. 1999. DVD.

RESENDE, Ricardo. Posição Amorosa: Hudnilson Jr. São Paulo, SP: Editora WMF Martins Fontes. 2016.

STEPMON; Chris Columbus. Produção: Patrick McCormick. Califórnia, EUA: TriStar Pictures. 1998. DVD.

QUEBRADA, Linn. Oração. São Paulo, SP: Sentidos Produções. 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=y5rY2N1XuLI&ab_channel=LinndaQuebrada>. Acesso em 20 setembro 2021.

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